segunda-feira, 2 de julho de 2012

Kenneth - Parte 1

   (Tive uma ideia... Vou começar uma pequena história por capítulos. Já tenho este conto na minha cabeça à uns tempos, mas só agora me sinto preparada para contá-lo. Talvez ele tenha amadurecido e queira desabrochar...)


   Kenneth estava sentado no topo da muralha fixando o campo que o rodeava. A terra apresentava-se queimada pelo cerco do mês passado. Cinzas elevavam-se no ar à menor brisa, encobrindo o sol e a esperança que este representava para o povo das aldeias próximas. Eram tempos negros, e a sombra permanente parecia confirmá-lo com a certeza do Inverno próximo.
   No entanto, Kenneth debatia-se com pensamentos de natureza mais sórdida. As faces de todos os que matara acorriam-lhe à mente. Impediu o vómito quase sem pensar. A frequência com que o fazia acabara por o tornar um hábito, e este ponderou sobre as consequências físicas deste comportamento. Os punhos crisparam-se.
   Um som compassado. Metálico, pesado, fez a sua entrada na mente de Kenneth, que rapidamente o processou como passos dos soldados que faziam a sua ronda. Ouviu-os aproximar. Os soldados continuaram o seu caminho. Ao avistá-lo entreolharam-se.
   Ninguém alguma vez percebera qual o grau de parentesco entre este estranho rapaz e Lord Asteroth, mas a sua proximidade impedia-os de fazer perguntas. Kenneth aparecera num dia de tempestade, um bebé nos braços de um Lord Asteroth encharcado e exausto e ficara no castelo desde essa altura. Era um rapaz esquisito. Era alto, com a pele extremamente branca, e cabelo preto em constante desalinho. Por trás deste, dois olhos azuis brilhavam de inteligência. Talvez de algo mais. A escolha do rapaz de trajar sempre de negro era, também, estranha, mas ninguém comentava abertamente. Os guardas passaram.
   O vento fez a capa de Kenneth redemoinhar no ar, criando elegantes padrões ondulantes. Apesar disso, o vento trouxe também um perfume conhecido que fez os músculos do corpo de Kenneth contraírem-se instintivamente. Com esforço, relaxou-os e aguardou enquanto outro som de passos se fez ouvir à distância.
Estes eram, comparativamente, mais leves e, no entanto, impunham um diferente tipo de respeito. Lord Asteroth.
   - O que estás aqui a fazer? - ouviu-se uma voz clara e modulada - pensei que tinha sido claro em relação à prioridade máxima do que te pedi. - Com um movimento, o Lord pegou no ombro de Kenneth puxando e encostando-o com força à parede oposta. Ouviu-se um baque surdo.
   Kenneth levantou os olhos e encarou os olhos violetas que o fixavam. Lord Asteroth suspirou e encostou-se a ele, pressionando mais contra a parede, avaliando-o com um ar inquiridor.
   - Tens sido o meu melhor assassino e, de repente, vejo-te a vacilar... Não me interessa as tuas razões - calou-o Asteroth - Sela um cavalo e parte, agora!
   - Senhor - respondeu Kenneth, libertando-se do aperto como uma serpente bem treinada. Quando se afastava, Asteroth agarrou-lhe o pulso e obrigou-o a encará-lo. Trocaram um longo olhar. Asteroth sorriu maléficamente.
   - Não me desiludas... de novo.
   Kenneth colocou a máscara entediada de corte, virou as costas e continuou o seu caminho.