sábado, 30 de junho de 2012

Doce de morango

   Lembras-te da tia Mónica? Deves lembrar-te, sendo tu tão perfeito como dizem que eras. Não sei se alguma vez te apercebeste, mas a tia Mónica, sempre que estava de visita à família, costumava levantar-se as 3 da manha, em roupa interior, e ir desbravar o frigorífico.
   Lembras-te como ela era magra? Quase se conseguia ver as costelas no decote da camisa. Lembras-te de como ela comia pouco, como cada pequeno pedaço de comida a deixava enjoada, uma refeição inteira ao ponto de a fazer vomitar?
   Bem, talvez te tenhas apercebido que ela não é assim à noite. Deves ter entendido, como se fartam de me garantir, tu eras perfeito. Inteligente, bonito, com bom coração... Depois vim eu, o monstro, para te substituir Terias tu esta fome sádica dentro de ti? Esta necessidade de observar a podridão? Talvez tivesses, e talvez disfarçasses melhor que eu... Desejo realmente acreditar nisso.
   A tia Mónica, é verdade. No outro dia segui-a. Não fiquei repugnado quando a matança começou, não fiquei repugnado ao ver o doce de morango que lhe adornava a camisa de noite, quase como o sangue desesperado dos alimentos, que gritavam perdões e lhe suplicavam que os comessem com decência. As pessoas geralmente suplicam pelo mesmo.
   Terá sido essa ideia que me impeliu para a frente? Terá sido a visão da sua fraqueza que me atraiu irremediavelmente para ela? Não sei, pouco me lembro do que aconteceu depois. Algo relacionado com a comparação entre o doce e sangue verdadeiro. O primeiro deixa muito a desejar.
   Onde tinha eu a cabeça? É verdade, não sei, já pouco sei, os véus da loucura não me deixam percepcionar muito mais. Onde estás tu? É agradável o local para onde vão os mortos? Tu eras perfeito, sempre me garantiram isso... Talvez soubesses o que era a vida e tivesses escolhido desaparecer dela enquanto eras puro e completo. Talvez te tenhas suicidado. Talvez tenhas atraído o teu assassino de propósito. Eras perfeito, quem te resistiria?
   Eu sou o que sou... e não serei por muito mais tempo. Agora já sou como tu, ontem fiz 12 anos, já tenho a idade que tinhas. Tu eras perfeito, mas eu sou real... Ganhei irmãozinho. Bateram à porta do meu quarto. Espera dois segundos, vou só abrir...