domingo, 24 de junho de 2012

Dor

   Um toque na porta.
   - Entre - disse ela. Recostada na otomana, apreciava longamente um caracol de cabelo fulvo. Passando-o entre os dedos, cujas unhas longas estavam tingidas de vermelho escuro, perguntou, de si para si, qual a necessidade de o fazer desta vez.
   A porta abriu-se suavemente e um jovem entrou na sala. Não teria mais de 18 anos e apresentava uma beleza improvável: alto e esbelto, com longo cabelo branco acetinado e belos, brilhantes olhos violeta. Olhos que trespassavam, afiados como facas.
   - Haveis-me chamado. - Proferiu aquela afirmação num tom estranho, as emoções eram difíceis de deduzir. Desafio e talvez um certo receio, pensou ela, ao levantar-se lentamente.
   Começou a contorná-lo. Esta era a necessidade que tinha, esta beleza intocável, sem marcas, sem cicatrizes, jovem e perfeita. Queria marcá-lo, queria abrir trincheiras neste campo primaveril, queria rasgar o pergaminho novo com o aparo da caneta, queria...
   Parou em frente dele. Com uma unha, acariciou suavemente o caminho da têmpora ao pescoço, passado pela maçã do rosto perfeitamente cinzelada, roçando ao de leve os lábios finos e graciosos. O dedo parou sobre a depressão na base da garganta.
   - Sabeis a razão? - inquiriu, sorrindo friamente.
   - Desejais-me - disse, olhos violeta encontrando e pressionando olhos amarelo escuros. Ele sorriu por sua vez, perversamente. - Os motivos não mudaram, e cá estou eu de novo, como uma cobaia teimosa que se recusa a encaixar nos dados estatísticos.
   Um sonoro estalo ressoou o tecto alto da galeria. Três linhas vermelhas surgiram na face imaculada. Uma gota de sangue escarlate encontrou o seu caminho face abaixo, até ser capturada pela fina língua dele. Ele sorriu novamente:
   - Tereis de fazer melhor que isso.
   - Oh, não vos preocupeis - ronronou ela. Encostando-se a ele, sussurrou-lhe ao ouvido - Sou capaz de muito mais.
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   Ele tremia de frio no chão da sua cela. Nu, estava deitado em posição fetal, tentando respirar com normalidade. Uma hora após o final do encontro e o seu corpo ainda tentava expulsar a adrenalina que soltara. A dor aumentava numa proporção inversa. Fechou os olhos com força.
  As marcas na cara, nas costas, no peito, nas pernas, enfim, por todo o corpo, acabariam por desaparecer, sem deixar cicatriz, deixando-o de novo imaculado, como sempre acontecera. No entanto, a dor, profunda, excruciante, permanecia, permanecia sempre.